Depois de um projeto de lei1no Brasil, os regulamentos camarários são designados de projetos de lei aplicados apenas àquele município ter sido aprovado pela Câmara Municipal de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, localizado no extremo sul do Brasil, e ratificado pelo prefeito, o vereador que o apresentou decidiu revelar que o texto foi escrito e incluiu sugestões feitas por inteligência artificial (IA).
O projeto de lei isenta as pessoas do pagamento de um novo contador de água em caso de furto foi aprovado por unanimidade pelos vereadores.
O vereador Ramiro Rosário revelou que a sua contribuição para a criação do texto foi o de enviar para o ChatGPT uma diretiva com 289 carateres. A ferramenta gerou um projeto de lei com oito artigos e a fundamentação, que estava incompleta na minuta inicial devido ao limite de carateres, algo que o vereador não detetou até ser avisado pelos Serviços Administrativos camarários e, por isso, voltou à plataforma de IA para obter ajuda adicional.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, disse:
É comum os vereadores, para elaborar os regulamentos nas suas cidades, procurarem uma lei parecida de outra cidade com a mesma finalidade e copiarem a redação. O ChatGPT faz a mesma coisa à sua maneira, recorrendo a uma base de leis que já estão na internet. Considerando que estamos a falar de dinheiros públicos, acho que a tecnologia tem muito a contribuir.
Ramiro Rosário, vereador na Câmara Municipal de Porto Alegre
O vereador ficou satisfeito com uma das propostas originais da IA: isentar o proprietário do imóvel do pagamento da conta de água até que o contador seja substituído.
“Achei uma boa ideia e mantive, embora não tenha sido minha”, disse Rosário, segundo o Matinal Jornalismo.
Rosário só revelou o uso de uma IA depois de o prefeito ratificado o regulamento para, segundo o vereador, gerar debate sobre o tema. Embora não haja obstáculos legais para prevenir regulamentos escritos por IA nas leis brasileiras, o presidente da Câmara Municipal, Hamilton Sossmeier, referiu ao canal de notícias G1 ter considerado “precedente perigoso”:
Acho estranho. É a primeira vez que acontece e não há nenhuma lei que indique que eu não a possa aprovar. Hoje, não tem nada que o proíba. Mas, na minha ótica, é um precedente perigoso e complicado. Podem vir outras leis mais complexas que gerem outros tipos de impacto. Por enquanto, fica a minha preocupação pessoal.
Ramiro Rosário, vereador na Câmara Municipal de Porto Alegre
Perigos potenciais
O ChatGPT foi criado pela empresa de tecnologia OpenAI, com sede nos EUA, com base num modelo de linguagem lançado ao público em 2022. Ele usa deep learning para gerar uma escrita semelhante à humana e opera num modelo de chatbot. Embora a flexibilidade e as capacidades produtivas dos grandes modelos de linguagem possam ajudar com prosa, poesia e programação, por exemplo, eles também levantam preocupações quanto ao uso indevido.
Na legislação, o ChatGPT também tem sido utilizado fora do Brasil. No início de 2023, um legislador de Massachusetts usou o ChatGPT para escrever uma lei para controlar modelos de inteligência artificial generativa. “O ChatGPT deu-nos 70% do que precisávamos quando queríamos redigir este projeto de lei, mas não nos levou até o fim”, disse o senador de Massachusetts Barry Finegold, responsável pela ideia.
O ChatGPT gera frases com base no seu conjunto de dados. Funciona em duas versões: uma paga, com uma base de dados atualizada em 2023, e uma gratuita, cujo conjunto de dados mais atual abrange conhecimento até 2021. Além de levantar questões sobre propriedade e direitos de autor, manter a objetividade e evitar preconceitos em contextos políticos é uma preocupação para alguns observadores.
Além disso, o ChatGPT tem um grande potencial para gerar desinformação e “alucinar”. As alucinações acontecem quando um modelo de IA cria resultados que se desviam do que seria considerado normal ou previsto com base nos dados do treino que recebeu.
O Congresso Nacional do Brasil está a analisar atualmente um projeto de lei que visa regulamentar o uso de IA no país. A transparência, a privacidade e a defesa dos valores democráticos devem ser respeitadas, de acordo com o texto na sua redação atual.
No Senado Federal do Brasil, também está em discussão outro projeto de lei, que visa regulamentar o uso da inteligência artificial e a sua implementação, propondo uma avaliação de risco antes do serviço ser disponibilizado no país.
Este artigo, escrito por Giovana Fleck e traduzido por Juliana Stroebel, foi originalmente publicado no site Global Voices Online e republicado em português de Portugal n’o largo ao abrigo da licença Creative Commons CC BY 3.0.