O último conflito de Israel com o Hamas: uma perspetiva geopolítica

Torna-se necessário conhecer o contexto que molda este conflito
O último conflito de Israel com o Hamas: uma perspetiva geopolítica
Palestinian News & Information Agency (Wafa) in contract with APAimages/Wikimedia Commons (CC BY-SA 3.0 DEED)
Este artigo foi publicado há, pelo menos, 12 meses, pelo que o seu conteúdo pode estar desatualizado.

A paisagem turbulenta do conflito israelo-palestiniano é marcada por dezenas de milhares de vítimas e pela deslocação de milhões de pessoas ao longo de 70 anos. Para compreender a situação atual, é imperativo começar por compreender o contexto que continua a moldar este conflito duradouro.

Israel declarou guerra na Faixa de Gaza, lançando uma campanha de bombardeamentos, com mais de 700 palestinianos mortos e mais de quatro mil feridos.

Esta escalada seguiu-se a um ataque surpresa do Movimento de Resistência Islâmica Palestiniana (Hamas) a Israel no passado dia 7 de outubro, durante o qual foram violadas partes do muro de separação fortemente fortificado que separa Gaza do resto do país, tendo sido alvejados colonatos ao longo da fronteira de Gaza.

Estes acontecimentos causaram a morte de mais de 900 israelitas e mais de 2600 feridos, para além de terem perturbado o tráfego aéreo no aeroporto Ben Gurion, uma vez que muitas companhias aéreas cancelaram voos.

Qual é o contexto do conflito em Gaza?

Em Gaza, vivem 2,3 milhões de palestinianos que não têm para onde fugir. A cidade é um enclave na costa oriental do Mar Mediterrâneo, que faz fronteira com o Egipto a sudoeste e com Israel a leste e a norte.

Segundo a organização israelita de defesa dos direitos humanos B’Tselem, que se dedica a documentar e a denunciar as violações dos direitos humanos cometidas por Israel nos territórios ocupados, “Israel transformou a Faixa de Gaza na maior prisão do mundo, renunciando simultaneamente à responsabilidade pela vida e pelo bem-estar dos seus residentes”.

Desde 2007 que Israel tem imposto um bloqueio contínuo a Gaza por terra, ar e mar. A Human Rights Watch denunciou que “este encerramento devastou a economia de Gaza, contribuiu para a fragmentação do povo palestiniano e faz parte do [lote de] crimes contra a humanidade das autoridades israelitas de apartheid e perseguição de milhões de palestinianos”.

Israel tem o controlo de aspetos cruciais da vida em Gaza, incluindo a circulação de alimentos, água e pessoas através dos pontos de passagem terrestres que ligam Gaza ao mundo exterior. Os palestinianos não estão autorizados a ter um aeroporto ou um porto de mar em Gaza, o que tem implicações significativas na sua capacidade de viajar ou de se envolver no comércio externo.

Este bloqueio, que dura há 16 anos, tem sido referido por organizações de defesa dos direitos humanos como uma forma de punição coletiva do povo palestiniano. Esta perspetiva é corroborada pelo ministro israelita da Defesa Yoav Gallant que, numa declaração em vídeo esta segunda-feira, 9 de outubro, frisou: “Estamos a colocar um cerco completo a Gaza… Não há eletricidade, não há comida, não há água, não há gás – está tudo fechado”.

Este castigo coletivo coloca Gaza à beira de uma nova crise humanitária, uma vez que os palestinianos encurralados, que não fazem parte do conflito, ficam sem água, para além de alimentos, combustível e eletricidade.

O impacto económico e político em Israel

O último conflito teve um impacto significativo na bolsa israelita. Os principais índices de Telavive, incluindo os índices TA-125 e TA-35, registaram uma queda de quase 7%. As ações do sector bancário, representadas pelo índice TELBANK5, foram especialmente afetadas, com uma queda de 9% nas vendas, totalizando 573 milhões de dólares. Além disso, os preços das obrigações do Estado diminuíram até 3% na reação inicial do mercado ao ataque a Israel.

Além disso, a Nvidia, o maior produtor mundial de chips utilizados na inteligência artificial (IA) e na computação gráfica, anunciou o cancelamento de uma cimeira sobre IA que se realizaria em Telavive na próxima semana.

Entretanto, a situação exerceu uma influência substancial na paisagem política interna de Israel. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o líder da oposição, Yair Lapid, discutiram a formação de um governo de emergência em resposta ao ataque.

Estes debates foram suscitados pela resistência do primeiro-ministro em fazer face aos protestos e às numerosas greves relacionadas com o serviço, levadas a cabo por soldados israelitas da reserva voluntária e outros. Estes protestos foram principalmente motivados pela oposição à reforma jurídica que tinha por objetivo restringir os poderes do poder judicial.

A divisão internacional

A reação internacional ao ataque levou ao surgimento de visões distintas. Uma condenou o ataque e manifestou total apoio a Israel. Outra, pelo contrário, apelou à calma e ao apaziguamento. Uma terceira, ainda, sublinhou a importância de não confundir o Hamas com todos os palestinianos.

Os principais interessados neste conflito são os países vizinhos, incluindo o Líbano, que já foi arrastado para o conflito através do Hezbollah, o Egipto, a Arábia Saudita e a Jordânia. O Irão está alegadamente envolvido nos acontecimentos atuais, embora o tenha negado e tenha descrito o ataque do Hamas como autodefesa. Os EUA e a União Europeia (UE) desempenham um papel importante como principais financiadores de Israel e, em menor grau, da Palestina.

Os Estados Unidos enviaram navios e aviões militares para mais perto de Israel como demonstração de apoio. Entretanto, a Comissão Europeia declarou o seu apoio a Israel, mas mais tarde voltou atrás na sua decisão de suspender a ajuda às autoridades palestinianas devido ao apoio esmagador da maioria dos Estados-Membros.

Qual o impacto destes acontecimentos na região do Médio Oriente e Norte de África?

Enquanto o presidente estadunidense Joe Biden promete apoiar Israel e classificou o ataque do Hamas como um ato de “pura maldade”, os seus principais assessores, segundo o New York Times, “têm-se esforçado por reafirmar o seu empenho na ideia de uma potencial normalização dos laços diplomáticos entre a Arábia Saudita e Israel, mesmo quando Israel se prepara para o início de uma guerra em grande escala contra os militantes palestinianos”.

A potencial normalização mediada pelos EUA dos laços diplomáticos entre Israel e a Arábia Saudita é motivada em parte pela preocupação com a concorrência regional com o Irão. A Arábia Saudita pretende adquirir armamento avançado para reforçar a sua influência e segurança regionais, em especial à luz das capacidades iranianas.

No entanto, o acordo também envolve concessões na questão palestiniana.

No entanto, o recente ataque do Hamas revelou um sentimento anti-israelita profundamente enraizado entre os palestinianos, cujo bem-estar tem sido constantemente ignorado pela comunidade internacional, particularmente durante as conversações de normalização.

Consequentemente, o recente ataque do Hamas levantou questões sobre a eficácia de pôr de lado a questão palestiniana em favor do estabelecimento de laços mais próximos entre Israel e as nações árabes. O ataque também pôs em causa a abordagem diplomática dos Estados Unidos da América aos regimes autocráticos e a potencial estabilidade na região.

Além disso, o contra-ataque de Israel pode provocar um movimento maciço de refugiados de Gaza para a Península de Sinai, no Egito, algo que o Egipto pode não querer que aconteça do ponto de vista da segurança.

Durante anos, o Egito impôs limitações rigorosas às atividades da Irmandade Muçulmana, também conhecida como Ikhwan, designando a organização como um grupo terrorista. É de salientar que a Ikhwan partilha a mesma ideologia que o Hamas, a entidade que governa de fato a Faixa de Gaza.

O potencial afluxo de refugiados pode incluir indivíduos filiados na Irmandade Muçulmana, o que suscita preocupações quanto à estabilidade da Península de Sinai, uma região onde o Egito tem estado envolvido em prolongadas batalhas para combater o terrorismo desde 2013.

O atual conflito entre Israel e o Hamas, tal como a luta israelo-palestiniana na sua generalidade, está profundamente enraizado na dinâmica geopolítica nacional e internacional.

Para compreender verdadeiramente a situação, temos de considerar o contexto mais amplo das dificuldades diárias enfrentadas pelos palestinianos em Gaza, que têm suportado um bloqueio paralisante que dura há 16 anos, resultando em condições de vida terríveis e na devastação económica. Este bloqueio transformou efetivamente Gaza naquilo que alguns descrevem como a maior prisão a céu aberto do mundo. Além disso, os palestinianos em geral enfrentam os desafios implacáveis de viver sob o peso de um sistema de apartheid.

Os acontecimentos recentes evidenciam a necessidade urgente de abordar os direitos fundamentais dos palestinianos, que têm sido persistentemente ignorados pelos responsáveis políticos internacionais. A obtenção de uma solução duradoura para o conflito israelo-palestiniano exige o reconhecimento dos direitos históricos dos palestinianos às suas terras indígenas e do seu estatuto de cidadãos iguais. Implica também pôr termo às atividades ilegais de colonização.


Licença Creative Commons

Este artigo, escrito pela redação da Global Voices para o Médio Oriente e Norte de África, foi originalmente publicado no site Global Voices Online e republicado em português de Portugal n’o largo ao abrigo da licença Creative Commons CC BY 3.0.

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