Regulador búlgaro dos media considera massacres de Bucha como “propaganda” anti-russa

Sonia Momchilova, a presidente do órgão regulador dos meios de comunicação social da Bulgária, também se tem manifestado abertamente sobre questões de género e orientação sexual, tendo inclusivamente troçado das ofertas de emprego na UE no contexto do movimento Pride.
Regulador búlgaro dos media considera massacres de Bucha como “propaganda” anti-russa
rbc.ua/Wikimedia Commons (CC BY 4.0)
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Este artigo é uma tradução para português de Portugal dum artigo em inglês da Radio Free Europe/Radio Liberty (RFE/RL).


Os críticos estão a acusar a entidade reguladora de radiodifusão e dos novos media da Bulgária de ter cedido à guerra híbrida do Kremlin, depois de Sonia Momchilova ter comparado as provas das atrocidades russas na Ucrânia, suportadas pela ONU, a “propaganda” anti-Putin.

Mais de 1400 corpos foram descobertos num subúrbio da capital ucraniana depois das tropas russas se terem retirado de Bucha após uma ocupação de 26 dias em março de 2022. Os elementos de prova citados pelas Nações Unidas e pelo procurador do Tribunal Penal Internacional indicam que as forças russas praticaram uma brutalidade sistemática em Bucha, incluindo execuções de civis.

A presidente do Conselho para os Meios de Comunicação Eletrónicos (CME) 1Organização congénere da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Momchilova, foi Momchilova foi rapidamente alvo de críticas a nível local e internacional, bem como de pedidos para a sua demissão, quando, a 19 de junho, disse no programa “Kontrakomentar”, do youtuber Asen Genov, que “tal como existe propaganda russa, não podemos negar que também existe [alguma] na direção oposta”, acrescentando: “Sabe,.. sobre a doença do [presidente russo Vladimir] Putin, que ele foi substituído [por um sósia], Bucha, por aí”.

Edição do programa “Kontrakomentar” no YouTube (transmissão em búlgaro)

Há anos que se especula sobre o estado de saúde do presidente russo, de 70 anos, incluindo, por vezes, relatórios sem fundamento que alegam a utilização de sósias para aparições públicas.

Um dia depois dos seus comentários no programa, Momchilova atacou na rede social Facebook o site de notícias local Dnevnik, que há muito tempo afirmava que a cobertura da tragédia de Bucha nos meios de comunicação búlgaros refletia uma “guerra de informação” entre a Rússia e “a Ucrânia e a comunidade democrática”.

Um grupo de reflexão búlgaro, o Centro para o Estudo da Democracia, publicou um relatório em abril no qual afirma que “a desinformação pró-Kremlin é mais proeminente em países com alinhamentos culturais e históricos profundamente enraizados com a Rússia”, destacando em particular a Bulgária, a Sérvia, o Montenegro e os enclaves sérvios nos Balcãs.

Os comentários de Momchilova, que equiparou os relatos de Bucha a “propaganda” anti-russa, surgiram no meio de um debate mais alargado e altamente politizado sobre a Rádio Nacional Búlgara e as perceções de parcialidade e “insinuações de propaganda” em alguns dos seus programas. As sanções impostas à Rússia e outras respostas duras à invasão de um país vizinho pós-soviético têm-se revelado fraturantes na Bulgária, num contexto de impasse político e de dois anos de eleições pouco conclusivas. No debate sobre a rádio pública, Momchilova sugeriu que o programa em questão estava a cumprir o papel dos meios de comunicação social públicos, refletindo as atitudes do público.

Ex-conselheira do primeiro-ministro e especialista em comunicação, Momchilova foi nomeada para o CME pelo presidente pró-russo Rumen Radev em 2021 e tornou-se presidente do Conselho meio ano depois. Dois dos cinco membros do conselho são nomeados pelo presidente, enquanto os outros três são nomeados pelo parlamento.

Ela já foi alvo de críticas anteriormente. No início do ano, duas ONG exigiram a sua demissão por ter criticado uma investigação conjunta (que incluiu o Serviço Búlgaro da RFE/RL) sobre o tratamento dado pelas autoridades búlgaras aos imigrantes na fronteira. Na altura, Momchilova teve o voto decisivo que permitiu a sua própria manutenção no cargo.

A sua recente franqueza também se estendeu a questões de género e orientação sexual, incluindo o escárnio sobre as ofertas de emprego na UE no contexto do movimento Pride, algo que ela descreveu esta semana como uma “transição digital e poligénero para… a macaquização total”.

A 21 de junho, a embaixada da Ucrânia em Sófia contestou os comentários de Momchilova, que comparava os relatos de Bucha a “propaganda” anti-russa, chamando-os de “inaceitáveis e manipuladores”.

A Bulgária foi signatária de uma declaração da UE em 2022 que condenava “com a maior veemência possível as atrocidades cometidas pelas forças armadas russas nas várias cidades ucranianas ocupadas”, incluindo Bucha.

O comunicado da embaixada afirma que “espera que o CNE e as instituições búlgaras competentes refutem e tomem as medidas necessárias para responder às alegações perigosas e enganosas sobre as atrocidades cometidas pelos ocupantes russos em Bucha. Estas afirmações contradizem a posição oficial da República da Bulgária enquanto estado-membro da UE e da NATO”.

Pouco depois, a embaixada dos EUA em Sófia emitiu uma declaração, avisando que “a máquina de desinformação do Kremlin entra em ação quando nega que a Rússia tenha como alvo civis”. A declaração citava o “massacre” de Bucha e acrescentava: “Não se deixem enganar pelas mentiras”.

Menos de uma hora depois, o entrevistador de Momchilova, Genov, também referiu que as “declarações incoerentes sobre a guerra na Ucrânia [de Momchilova] preocuparam-me seriamente durante a nossa conversa”. O youtuber disse que estava preocupado com o efeito que estas declarações teriam na imagem da Bulgária.

A 22 de junho, dezenas de jornalistas pediram a demissão de Momchilova aos deputados búlgaros e um debate mais alargado sobre as leis que regulam os meios de comunicação social.

“Estamos indignados com a declaração da Presidente do Conselho dos Meios de Comunicação Electrónicos, Sonya Momchilova… na qual ela define os trágicos acontecimentos na cidade de Bucha como propaganda ucraniana”, queixam-se os subscritores. Os autores da moção consideram que essa “qualificação… é um desprezo cínico pela verdade e um insulto à humanidade”.

“Este comportamento envia uma mensagem extremamente prejudicial para o nosso ambiente mediático, já de si vulnerável, e prejudica o prestígio da Bulgária”, afirmaram. Os subscritores também fizeram eco do pedido de Kiev para que o conselho e todas as “instituições búlgaras competentes” refutem a declaração de Momchilova.

Não se sabe até que ponto o apelo dos jornalistas terá sido aceite pelos legisladores. Mas o Conselho foi o primeiro a atuar.

“O Conselho para os Meios de Comunicação Eletrónicos não partilha, de forma alguma, as insinuações relacionadas com a negação das atrocidades em Bucha”, afirmou numa declaração de 22 de junho, classificando os acontecimentos como “um ato monstruoso de tortura e de morte de civis”.

Escrito por Andy Heil, a partir das informações do Serviço Búlgaro da RFE/RL.

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