Uma importação de práticas não democráticas: o ataque do Quirguistão aos media, jornalistas e bloggers

Os jornalistas são alvo de inúmeras acusações, agressões e processos judiciais.
Uma importação de práticas não democráticas: o ataque do Quirguistão aos media, jornalistas e bloggers
JoPanwatD
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O governo do Quirguistão está a importar práticas pouco liberais da Rússia e estas mudanças tiveram impacto na vida pública e afetaram a atividade dos meios de comunicação social, dos jornalistas e dos bloggers.

A 5 de outubro de 2020, começaram os protestos no Quirguistão em resposta às eleições parlamentares do dia anterior, cujo resultado foi considerado injusto. Assim, o governo em funções foi destituído e Sadyr Japarov subiu ao poder. As medidas autoritárias assertivas que se seguiram, em especial os ataques do Estado a meios de comunicação social, a bloggers e jornalistas, são incidentes pouco comuns num país que há décadas se posiciona como “uma ilha” de democracia na Ásia Central.

‘Cópia e cola’: a lei sobre proteção conta informações falsas

Tal como os jornalistas na Rússia têm sentido, a pressão sobre os meios de comunicação social tem aumentado constantemente desde que Vladimir Putin assumiu o poder. Nos últimos três anos, na Rússia, os jornalistas que criticaram o governo ou o Presidente Putin foram arbitrariamente detidos e os meios de comunicação social que o fizeram foram rotulados de agentes estrangeiros e encerrados.

O governo quirguistanês propôs uma lei sobre agentes estrangeiros, em grande parte inspirada neste modelo russo, para restringir as atividades de Organizações Não Governamentais (ONG) e dos meios de comunicação social estrangeiros, mas não foi adotada. O governo também passou a regular a esfera do online, introduzindo uma nova lei quanto à proteção contra informações falsas (também conhecida como a lei contra as fakes) em agosto de 2021. Em novembro de 2022, a administração presidencial publicou para discussão pública o projeto de lei sobre “Organizações não comerciais não estatais”. O objetivo da lei é proteger os interesses do Estado contra atividades ilegais de instituições não estatais. Se a lei for aprovada, a Procuradoria-Geral da República e o Ministério da Justiça terão acesso a documentos internos relacionados com as fontes de financiamento, as despesas e outras informações das ONG, o que lhes permitirá visá-las em investigações com base nessas informações.

Ataques contra os media, jornalistas e bloggers

Em outubro de 2022, o Ministério da Cultura, da Informação, do Desporto e da Juventude encerrou o site da filial da Radio Free Europe (RFE/RL), a Azattyk, alegando que, uma vez que a Azattyk tinha retransmitido informações não confirmadas oriundas de outra filial da RFE/RL, a Nastoyashee Vremya, sobre os confrontos entre tajiques 1NOTA DO TRADUTOR: povo de origem iraniana e que vivem em comunidades no Afeganistão, Tajiquistão e Uzbesquistão e quirguizes em Batken em Setembro de 2022, o meio de comunicação social não era imparcial e pôs-se do lado tajique ao dar as notícias. A maioria acredita que a verdadeira razão para o encerramento foi uma investigação da Azattyk sobre a controversa questão do reservatório de água de Kempir-Abad. A investigação foi oportuna e crítica porque forneceu informações detalhadas sobre o reservatório e partilhou as preocupações locais sobre o impacto da decisão na sua vida quotidiana. Poucos dias depois, as contas bancárias da Azattyk foram congeladas por ordem do Comité Estatal de Segurança Nacional da República do Quirguistão. Até à data da publicação desta notícia, a Azattyk está oficialmente encerrada.

Pouco antes do anúncio da decisão do governo de encerrar o site da Azattyk, um grupo de “ativistas” pró-governo organizou um protesto junto às instalações do órgão de comunicação social em Bishkek, em 13 de outubro. Os manifestantes, de cara tapada, empunhavam cartazes apelando ao encerramento das instalações da Azattyk e de outros media independentes, como a Kloop e a Kaktus, e culpavam a Azattyk, a Kloop e a Kaktus pela desinformação durante a invasão tajique do Quirguistão em setembro de 2022 e os confrontos de junho de 2010 no sul do país. Além disso, os manifestantes estavam preocupados com as suas “políticas” de promoção de valores não tradicionais, como os posicionamentos positivos em relação à questão LGBTQ+. O líder do protesto, Ilimbek Israilov, ameaçou incendiar o edifício da Azattyk, se o parlamento quirguize não aprovasse a lei sobre os agentes estrangeiros. Para além disso, houve tentativas de acusar e difamar a Azattyk com a ajuda de “trolls” pagos. Estes utilizadores deixavam comentários negativos nas notícias publicadas nas páginas da Azattyk nas redes sociais (Facebook, Instagram e YouTube).

Antes, em agosto de 2022, as autoridades também tentaram bloquear o site da agência noticiosa 24.kg durante dois meses. Na carta que enviaram às operadoras, as autoridades não especificaram o conteúdo com base no qual o site da agência havia sido suspenso. Pouco depois da 24.kg se ter dirigido ao Ministério da Cultura para obter um comentário oficial, descobriram que a decisão havia sido anulada pelo governo.

O encerramento do site da Azattyk foi um esforço para assumir o controlo do espaço mediático online e constitui uma tentativa de atacar o jornalismo independente (em especial, o jornalismo de investigação) no Quirguistão. No passado, os artigos de investigação da Azattyk (redigidos em conjunto com a OCCRP e a Kloop) sobre esquemas de corrupção estatal e de branqueamento de capitais, relacionados com o antigo subchefe dos serviços aduaneiros quirguizes Raimbek Matraimov, criaram uma enorme ressonância nas comunidades e contribuíram para o protesto de outubro de 2020 e que resultou numa mudança de poder.

Hoje, o jornalismo de investigação no Quirguistão enfrenta vários desafios e alguns jornalistas foram alvo de inúmeras acusações, agressões e processos judiciais. Um caso recente e proeminente foi o do diretor do media de investigação Temirov Live. Bolot Temirov foi acusado de posse de droga, aquisição ilegal dum passaporte quirguize e passagem ilegal de fronteira. No entanto, devido à pressão pública, foi considerado inocente no julgamento e foi libertado em setembro de 2022. No entanto, no início de Novembro, o Ministério Público recorreu da decisão do tribunal. A perseguição a Temirov começou depois deste ter publicado uma investigação sobre o chefe do Comité Estatal de Segurança Nacional, Kamchybek Tashiev, e a sua família, especificamente sobre o seu esquema de corrupção, a participação da sua empresa em concursos públicos, entre outros. Em 23 de novembro, Bolot Temirov foi expulso à força do Quirguistão para a Rússia logo após a audiência em tribunal.

O número de utilizadores do Facebook e de outras redes sociais censurados e interrogados pelos serviços de segurança quirguizes pelas suas críticas ao presidente e ao governo em funções está a aumentar rapidamente. Só desde o início de 2022, sete bloggers, incluindo os relacionados com os meios de comunicação social críticos, foram censurados e interrogados pelos serviços de segurança. Entre 23 e 27 de outubro de 2022, teve lugar no Quirguistão uma nova ronda de detenções de ativistas da sociedade civil, ex-políticos e políticos em exercício. No total, 27 pessoas foram detidas durante dois meses antes de serem julgadas, incluindo seis mulheres. Os críticos manifestaram-se publicamente, nas suas páginas nas redes sociais ce durante a assembleia pública (Kurultai) organizada em Uzgen em 15 de outubro, contra a entrega do reservatório de água de Kempir-Abad ao Uzbequistão, no âmbito dum acordo fronteiriço entre os dois países. Dezasseis detidos continuam atrás das grades à data da publicação deste artigo. De acordo com o código penal, a pena pode ir até aos dez anos de prisão. Assim, o governo quirguize tem-se empenhado cada vez mais em atacar os meios de comunicação social livres e em censurar as publicações da sua própria população nas redes sociais, pondo em risco a liberdade dos meios de comunicação social e o direito de expressão.

Licença Creative Commons

Este artigo, escrito pelo projeto Advox, foi originalmente publicado no site Global Voices Online e republicado em português de Portugal n’o largo ao abrigo da licença Creative Commons CC BY 3.0.

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