A ascensão e queda da diversidade linguística na Eurovisão

As tendências inverteram-se inúmeras vezes ao longo dos anos.
A ascensão e queda da diversidade linguística na Eurovisão
Corinne Cumming/EBU
Este artigo foi publicado há, pelo menos, 1 ano, pelo que o seu conteúdo pode estar desatualizado.

Este artigo foi originalmente publicado por Kelsey Wetherbee no blogue da Langoly e é republicado no site Global Voices como parte de um acorde de parceria de conteúdos.


No sábado, 13 de Maio, pessoas de todo o mundo vão assistir à final do Festival Eurovisão da Canção. O que começou por ser um pequeno concurso de música entre alguns países transformou-se num grande espetáculo internacional que produz êxitos e transforma os concorrentes em estrelas internacionais.

É uma máquina bem oleada, como tem de ser para coordenar um evento desta envergadura. As regras são precisas, desde o número de pessoas que podem atuar em palco até à duração máxima das canções, e os concorrentes têm de as cumprir escrupulosamente. Mas as regras relativas às línguas que podem ser utilizadas nunca parecem ser muito permanentes. Ao longo dos anos, mudaram, voltaram a mudar e mudaram novamente.

Há um debate permanente sobre a língua em que os concorrentes devem cantar. Embora em tempos só fosse utilizada no festival pelo Reino Unido e pela Irlanda, a língua inglesa tem vindo a dominar o palco. Os intérpretes estão a optar por uma das línguas oficiais dos seus países, em detrimento de uma língua mais conhecida, numa tentativa de ganhar popularidade junto dos jurados e dos fãs. Mas será esta uma estratégia eficaz?

Eurovisão: uma curta história

De acordo com o site da Eurovisão, “o Festival Eurovisão da Canção começou como uma experiência técnica na transmissão televisiva: a transmissão em direto, simultânea e transnacional”. O primeiro Festival Eurovisão da Canção aconteceu em 1956 com sete países em competição: Países Baixos, Suíça, Bélgica, Alemanha, França, Luxemburgo e Itália.

Cada país apresentou duas músicas a concurso, tendo a Suíça sido declarada a primeira vencedora. Só no concurso de 1958 é que se estabeleceu o precedente do país vencedor ser o anfitrião do evento do ano seguinte – uma tradição que se mantém até hoje, sempre que possível.

Nas décadas seguintes, o festival cresceu rapidamente e hoje cada edição conta geralmente com cerca de 40 países a competir. Prevê-se que 37 países atuem no concurso de 2023.

No início, não existia qualquer regra sobre a língua em que um país podia atuar e, até 1965, todos os países utilizaram a sua língua nacional. A Suécia foi o primeiro país a quebrar a norma nesse ano, competindo com uma canção em inglês. No ano seguinte, os organizadores implementaram a primeira regra segundo a qual um país deve competir numa das línguas oficialmente reconhecidas do país.

A regra foi abolida em 1973, mas foi reintroduzida em 1977. No entanto, a Bélgica e a Alemanha foram autorizadas a competir em inglês nesse ano, uma vez que já tinham escolhido as suas músicas antes de ser anunciada a alteração da regra.

Desta vez, a regra manteve-se durante 22 anos, até 1999. Na competição desse ano, 14 das 23 canções tinham letras em inglês e a utilização maioritária da língua inglesa na competição tem-se mantido estável desde então.

Os idiomas na Eurovisão

A questão continua a ser se cantar em inglês pode dar mais hipóteses de ganhar o concurso. Até à data, a resposta é claramente afirmativa, tendo em conta que 34 canções vencedoras (ou 46,6%) foram cantadas em inglês. Mesmo se retirarmos as sete vitórias da Irlanda e as cinco vitórias do Reino Unido (os dois países concorrentes que têm o inglês como língua oficial), ainda assim são 22 as vezes que um país ganhou por não cantar na sua língua oficial.

No nosso site, pode ver um mapa que compara a percentagem de participações de cada país que competiu numa língua que não a sua língua oficial com o número de vezes que o país ganhou.

Esse mapa apresenta também alguns padrões interessantes. Podemos ver uma tendência de oeste para leste. Em geral, os países ocidentais competem mais nas suas línguas nacionais, enquanto os países da Europa Central e Oriental preferem as línguas não oficiais. No entanto, quando comparamos isso com o número de vitórias, verifica-se que os países da Europa Ocidental têm geralmente mais vitórias do que os países da Europa Oriental, o que sugere uma correlação favorável para cantar numa língua materna.

E, embora a eliminação da regra da língua em 1999 tenha levado a um aumento dramático das participações em inglês, o pico da tendência pode estar iminente. A partir de 2018, registou-se um aumento de participações noutras línguas para além do inglês. Em 2021, os três primeiros classificados cantaram todos nas línguas oficiais do seu país, algo que não acontecia desde 1995. O vencedor de 2022, a Ucrânia, continuou a tendência cantando na sua língua oficial, o ucraniano.

Embora os vencedores recentes tenham cantado na língua oficial do seu país, isso não é assim tão comum. O gráfico mostra os 10 vencedores mais recentes que cantaram na língua oficial do seu país: o mais recente foi a Ucrânia, em 2022, e o décimo foi a Irlanda, em 1992, uma diferença de 30 anos.

Controvérsia e tendências linguísticas

Embora cantar numa língua não oficial seja permitido há muitos anos e se tenha tornado a norma, ainda há pessoas que não estão satisfeitas com esta decisão. Em 2008, o concorrente francês, Sébastien Tellier, cantou a canção “Divine” em inglês. Este facto gerou controvérsia entre os responsáveis pela proteção da língua francesa.

O secretário de Estado francês para a Cooperação e da Francofonia Alain Joyandet afirmou: “Quando se tem a honra de ser selecionado para representar a França, canta-se em francês”. O político francês François-Michel Gonnot também apresentou uma queixa contra o canal de radiodifusão francês France 3 [Nota do tradutor: France 3 é um dos canais de serviço público francês de rádio e televisão], afirmando que “a defesa da língua francesa faz parte da responsabilidade do canal” e apelou a que Tellier cantasse a sua canção da Eurovisão em francês.

Mais recentemente, a representante espanhola Ruth Lorenzo foi criticada pela Real Academia Espanhola, o organismo governamental que regula a língua espanhola, pela sua escolha de cantar “Dancing in the Rain” maioritariamente em inglês. Ruth respondeu dizendo: “O inglês é uma realidade em Espanha e eu quis captar isso na minha canção”. E prosseguiu, afirmando que apenas o refrão seria cantado em inglês.

Outra tendência interessante é a inclusão de outros tipos de línguas nas atuações, como as línguas imaginárias e as línguas gestuais. A Bélgica foi o primeiro país a concorrer com uma canção numa língua imaginária em 2003. Urban Trad, o concorrente belga, ficou em segundo lugar com a canção “Sanomi”. A Bélgica voltou a competir com uma canção numa língua imaginária em 2008, mas com muito menos sucesso. Os Países Baixos também cantaram numa mistura de inglês e de uma língua imaginária em 2006, igualmente com pouco sucesso.

Também houve vários casos de utilização da língua gestual. Cinco países incluíram a língua gestual nas suas atuações. No entanto, as regras estipulam que uma canção tem de ter vozes e não pode ser puramente instrumental, pelo que uma canção interpretada apenas em língua gestual não é tecnicamente permitida. No entanto, estas tendências mostram a inclusão e a crescente popularidade de diferentes línguas.

O que esperar da edição deste ano

A edição deste ano está a aproximar-se rapidamente. Uma vez que os países têm de escolher previamente a sua canção, já sabemos quais serão as línguas deste ano. Dos 37 países, 28 irão competir com uma canção totalmente em inglês ou que incluírá letras em inglêsem algum momento. Embora esta seja uma ruptura com a tendência dos últimos anos de incluir mais línguas oficiais e menos inglês, isto pode dever-se ao facto de o inglês ser a língua do país anfitrião deste ano, o Reino Unido.

Apesar deste ano assistirmos a um domínio quase total da língua inglesa na Eurovisão, no cerne do espetáculo está o facto de reunir pessoas para uma experiência partilhada. Apesar de ter sido a vencedora do ano passado, a Ucrânia não será a anfitriã do evento devido a preocupações de segurança decorrentes da contínua invasão da Rússia. Em vez disso, fizeram uma parceria com o Reino Unido, o segundo classificado do ano passado, e o espetáculo terá lugar em Liverpool. O slogan deste ano é “United By Music” (“Unidos pela Música”) para mostrar a parceria entre o Reino Unido e a Ucrânia, bem como o poder da música para unir as pessoas. As rondas semifinais serão transmitidas na terça-feira, 9 de Maio, e na quinta-feira, 11 de Maio. Os finalistas competirão no sábado, 13 de Maio.

Licença Creative Commons

Este artigo, escrito por Kelsey Wetherbee para o blog da Langoly, foi originalmente publicado no site Global Voices Online e republicado em português de Portugal n’o largo ao abrigo da licença Creative Commons CC BY 3.0.

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