A História mostra-nos que as pessoas podem ser forçadas a abandonar as suas casas por conflitos, persecuções ou outras crises humanitárias, levando a fluxos avassaladores de migrações e refugiados. A Agência das Nações Unidas para os Refugiados identificou várias emergências de refugiados, tais como a da Síria ou a mais recente na Ucrânia. De acordo com a Agência das Nações Unidas para os Refugiados e o website ourworldindata.org, a Turquia acolhe o maior número de refugiados do mundo (quase 4 milhões) com um rácio dramaticamente elevado do número de refugiados em relação à população em geral, o que contrasta com as baixas taxas observadas em Portugal.
“O processo de mudança cultural e psicológica que ocorre como resultado do contacto entre diferentes grupos culturais e os seus membros chama-se aculturação”, explica Imge Terzi, primeira autora de um estudo realizado no CIS-Iscte que investigou a forma como as orientações de aculturação e discriminação percebidas estavam relacionadas com a adaptação psicológica e sociocultural de refugiados sírios.
Neste estudo, as investigadoras seguiram uma abordagem que salienta a importância de considerar as relações dinâmicas das orientações de aculturação percebidas do grupo minoritário e as da sociedade de acolhimento. Imge explica que as orientações de aculturação se orientam em dois eixos: “os refugiados podem ter ou não o desejo de contacto com a sociedade de acolhimento e podem querer ou não manter a sua própria cultura, o mesmo acontecendo com os membros da sociedade de acolhimento relativamente às suas preferências do processo de aculturação de minorias”. A investigadora também sublinha que mais importante do que a preferência ou orientação de cada grupo “é a concordância ou desencontro destas orientações, estando as relações intergrupais mais pobres associadas a um desajuste ou discordância entre o que cada grupo deseja e pensa ser desejado pelo outro”.
Recorrendo à participação de 109 refugiados sírios residentes na Turquia, as investigadoras avaliaram as suas orientações de aculturação, e as suas perceções acerca das orientações de aculturação da sociedade turca. Os participantes responderam também a questões sobre a perceção de discriminação, bem como a sua adaptação psicológica e sociocultural.
Os resultados mostraram que um desejo mais forte de manutenção cultural estava associado a uma menor adaptação psicológica, não havendo relação entre o desejo de contacto e a adaptação sociocultural. Para além disso, quando os refugiados consideraram a sociedade turca mais aberta ao contacto, relataram níveis mais elevados de adaptação psicológica e sociocultural. Finalmente, quando os refugiados relataram um desencontro entre as suas orientações de aculturação e as que consideravam ser as da sociedade turca, relataram níveis mais baixos de adaptação psicológica e sociocultural e níveis mais elevados de discriminação percebida.
De acordo com as autoras, estas conclusões realçam o papel crítico das orientações de aculturação percebidas, apoiando a importância de considerar uma abordagem mútua do processo de aculturação de pessoas refugiadas. Uma implicação importante é o papel positivo da perceção do desejo de contacto para a adaptação dos refugiados sírios, que salienta o possível impacto benéfico das atitudes dos membros da sociedade de acolhimento em relação ao grupo minoritário e ao seu processo de adaptação. Estes dados sublinham igualmente a importância das intervenções para fortalecer e reforçar a comunicação e o contacto entre os refugiados e os membros da sociedade de acolhimento.
Segundo Imge, esta abordagem dinâmica do processo de aculturação pode também ser relevante para outros grupos étnicos e minoritários para além dos refugiados. É essencial considerá-la quando migrantes e refugiados chegam a um novo ambiente cultural. No acolhimento de refugiados ucranianos em toda a Europa após a recente guerra, acrescenta que “seria benéfico considerar esta abordagem mútua e dinâmica da aculturação quando se pretende promover a sua adaptação psicológica e sociocultural”.
Imge Terzi é atualmente doutoranda no Iscte-Instituto Universitário de Lisboa e, no seu projecto de doutoramento, está a examinar a aculturação e adaptação de diferentes grupos de refugiados na Turquia e em Portugal. O estudo aqui apresentado é da autoria de Imge Terzi (CIS-Iscte), Rita Guerra (CIS-Iscte), e Kinga Bierwiaczonek (Universidade de Oslo), tendo sido recentemente publicado como um capítulo no livro académico Examining Complex Intergroup Relations: Through the Lens of Turkey.
Este texto é publicado n’o largo. no âmbito do projeto “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa“, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.