Este artigo é uma tradução para português de Portugal dum artigo em inglês da RFE/RL.
Uma mãe na Bulgária diz estar aliviada pelo facto do seu filho estar a viver no estrangeiro e fora do alcance do que receia estar a chegar a casa: não apenas um projeto militar com homens aptos, mas um destacamento para a Ucrânia para combater a invasão das forças russas no conflito mais sangrento que o continente tem testemunhado desde a Segunda Guerra Mundial.
“Pela primeira vez, não estou preocupada que o meu filho tenha deixado a Bulgária”, disse “Elena”, que não quis que o seu nome verdadeiro fosse divulgado, ao serviço em búlgaro da RFE/RL, explicando que ficou preocupada após ouvir falar duma “possível mobilização militar”.
Nenhum plano ou intenção deste tipo foi anunciado, muito menos discutido ou referido, pelo governo búlgaro.
Como muita desinformação atualmente, é provável que este rumor se dissemine pelas redes sociais. Neste caso, uma conta pró-russa na rede social Facebook com mais de dez mil seguidores e um rapper popular deram grande parte do fôlego a este rumor na Bulgária.
Neste caso, aqueles que divulgaram a desinformação sobre o projeto pareciam ter-se agarrado a um fundo de verdade: membros do governo tinham discutido a revisão duma lei que exigia preparação de militares na reserva em tempo de paz. De facto, a 18 de janeiro, o Tribunal Constitucional do país foi chamado a pronunciar-se sobre a legalidade duma medida do género.
Ao explicar uma potencial revisão da lei sobre reservistas, o Ministro da Defesa búlgaro Dimitar Stoyanov disse que uma deliberação [do tribunal] poderia ajudar a esclarecer uma ambiguidade jurídica sobre o assunto que remonta, pelo menos, a 2016. Desde então, oficiais búlgaros têm afirmado que o governo não estava a ponderar se deveria restaurar o serviço militar obrigatório – algo que foi abolido em 2008 – nem estava a preparar-se para uma mobilização geral.
Uma confusão fabricada
Mas, apesar das garantias de que nenhuma mobilização ou destacamento para a Ucrânia estava sequer a ser discutida, alguns búlgaros não estavam convencidos.
Yordan Halachev, que tem mais de onze mil seguidores no Facebook, mostrou-se céptico quanto às motivações do governo, escrevendo de forma sarcástica: “Não, não está relacionado com a guerra na Ucrânia. O governo está apenas a perguntar”! A conta de Halachev publica conteúdos exclusivamente pró-russos, na sua maioria relativos à guerra na Ucrânia, mas também às relações internacionais em geral.
Uma das que leu e partilhou a publicação de Halachev foi “Elena”, que diz ter trabalhado no passado como jornalista. “Elena” nega ter “entrado em pânico”, mas ficou especialmente preocupada depois de ter lido na “imprensa internacional” que tinham ocorrido mobilizações noutros locais da Europa de Leste, embora nenhum país tenha tomado tais medidas ou esteja a planear fazê-lo.
As histórias de que a Bulgária está a ser arrastada para o conflito na Ucrânia, e até a mobilização, têm surgido regularmente, desde que a Rússia lançou a sua invasão em grande escala a 24 de fevereiro de 2022, veiculada especialmente por aqueles que estão do lado pró-Kremlin do espectro político, nomeadamente o Partido do Renascimento, de extrema-direita, e o seu líder Kostadin Kostadinov.
A publicação de Halachev na rede social Facebook, a dia 19 de janeiro, foi rapidamente partilhada, com alguém a comentar “O picador de carne emperrou”. Foi também partilhada em grupos naquela rede social, confirmou o serviço em búlgaro da RFE/RL. Uma conta com o nome de “Nikolina Mihailova” partilhou esse em onze desses grupos, três dos quais com mais de 150 mil seguidores.
Os rumores de mobilização foram amplificados quando o popular rapper Stanislav Naydenov-Spence profetizou no seu programa de 12 de janeiro que tal medida estava prestes a acontecer. “Eles vão enviar o exército búlgaro para a Ucrânia”, disse ele a milhares de seguidores sem apresentar qualquer prova.
Como todos os países da União Europeia (UE), a Bulgária tem atualmente um exército totalmente profissional com 37 mil efetivos, de acordo com os dados do Banco Mundial para 2019. Na reserva, a forças são de cerca de 45 mil efetivos. Um relatório do Ministério da Defesa búlgaro de 2021 concluiu que um número considerável de reservistas não tinha formação militar.
Segundo a lei em vigor no país, os búlgaros na reserva militar não podem ser chamados para treino quando em tempo de paz, uma vez que qualquer formação deve ser feita de forma voluntária.
Por toda a UE, a invasão não provocada da Ucrânia pela Rússia desencadeou um repensar sobre a Defesa, com os responsáveis de todo o continente a questionar as capacidades das suas respetivas forças militares.
A Guerra nas redes
Embora as origens exatas dos rumores da mobilização búlgara não sejam claras, a guerra da Rússia contra a Ucrânia está também a ser travada online, com o Kremlin a ser acusado de intensificar as suas atividades de desinformação.
“A desinformação em torno da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em fevereiro de 2022 marcou uma escalada nas operações de informação de longa data da Rússia contra a Ucrânia e as democracias livrs”, disse a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) num documento de trabalho em novembro de 2022.
A Bulgária provou ser um terreno fértil para notícias falsas, grande parte das quais alegadamente plantadas e/ou alimentadas por entidades ligadas ao Kremlin. O país está em autogestão desde junho de 2022, quando o governo pró-ocidental do primeiro-ministro Kirill Petkov caiu após uma moção de censura com apenas seis meses no poder. O país realizará em abril outra eleição parlamentar rápida, a quinta em dois anos.
Durante a crise da COVID-19, a Bulgária sofreu as taxas de mortalidade mais elevadas da UE, uma vez que as taxas de vacinação se atrasaram, em parte graças ao ceticismo alimentado pela desinformação nas redes sociais por parte de forças apoiantes do Kremlin.
“A Bulgária oferece um ambiente particularmente frutífero para a propagação da desinformação pró-russa. Os níveis de literacia mediática são baixos, enquanto o passado comunista do país enraizou as atitudes pró-russas na cultura dominante”, escreveu o site de notícias búlgaro Kapital Insights em maio de 2022.
Embora raros, os rumores sobre a mobilização de cidadãos da UE para lutar na Ucrânia surgiram, pelo menos, noutro país.
Na República Checa, a desinformação nas redes sociais referiu que Petr Pavel, o general reformado do exército que derrotou o milionário populista Andrej Babis na segunda volta das eleições de 28 de janeiro, tornando-se o novo presidente, preparava-se para recrutar checos para o exército para irem combater na Ucrânia. Durante a campanha, Pavel, que foi presidente do Comité Militar da OTAN, foi descrito como sendo um defensor da guerra.
Não se sabe quem esteve por detrás da campanha na República Checa, e a polícia anunciou que estava a investigar. O derrotado Babis pagou outdoors com a mensagem de que a República Checa seria arrastada para uma guerra em grande escala, caso não fosse eleito.
Escrito por Tony Wesolowsky a partir do relato de Georgi Angelov, jornalista do Serviço em Búlgaro da RFE/RL.
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