Na Turquia, as redes sociais tornam-se cúmplices na censura dos media e da liberdade de expressão

É algo que não augura nada de bom para as eleições de 2023.
JoPanwatD
Este artigo foi publicado há, pelo menos, 1 ano, pelo que o seu conteúdo pode estar desatualizado.

Metin Cihan é um jornalista turco que há muito se dedica a expor a corrupção entre funcionários governamentais. A 17 de julho, o Twitter restringiu a sua conta com o argumento de que o jornalista partilhava informações privadas, apesar de nenhuma das informações que partilhava ser privada. Nos seus tuítes, Cihan expôs empresas, nomes, ligações, informações sobre contas bancárias e concursos relacionados com os “Canikli Files” – o nome vem do político Nurettin Canikli, que tem estado envolvido num escândalo de corrupção em larga escala na Turquia.

A sua página acabou por ser restaurada, mas o jornalista temia que o bloqueio pudesse voltar a acontecer, dado que esta não era a primeira vez que a sua conta era visada.

Num contexto turco de responsabilização das plataformas, a experiência de Cihan no Twitter ilustra até onde o Estado está disposto a ir para silenciar o jornalismo independente no país e como as plataformas como o Twitter estão a tornar-se cúmplices na ajuda ao Estado para o fazer.

Em 2010, o Twitter anunciou uma ferramenta que lhe permite censurar conteúdos por país. Na altura, a plataforma pode não ter previsto completamente como a sua ferramenta poderia ser abusivamente utilizada por uma série de países cada vez mais autoritários, onde as plataformas de redes sociais têm sido o alvo das autoridades face à crescente repressão e censura.

De facto, uma das tácticas do governo turco para silenciar os utilizadores na Internet e negar-lhes o seu direito de acesso à informação é submeter pedidos ao Twitter e a outras plataformas para reter conteúdos considerados contrários às leis locais. Como resultado, não é surpreendente que, de acordo com o mais recente relatório de transparência do Twitter, a Turquia tenha sido o quarto maior requerente de pedidos de remoção de conteúdo, representando cerca de nove por cento das exigências legais globais. “A Turquia caiu para o quarto maior requisitante do Twitter. Isto deve-se ao facto do governo turco ter apresentado menos vinte e um porcento de pedidos legais. Apesar desta diminuição, a Turquia aumentou efetivamente o número de contas especificadas nos seus pedidos em vinte e quatro por cento”, disse o relatório.

O governo turco refere-se repetidamente à legislação nacional como a lei n.º 5651 e outras para solicitar às plataformas para levar a cabo a censura em seu nome. Embora o Estado turco tenha sido explícito nas suas intenções, os gigantes dos meios de comunicação social parecem não compreender o impacto do seu cumprimento na pluralidade e diversidade de vozes e opiniões na Turquia.

Para além das leis já em vigor, os legisladores nacionais já aprovaram catorze dos quarenta artigos propostos numa nova lei controversa sobre desinformação. Se todos os artigos propostos forem adoptados, os utilizadores das plataformas de comunicação social na Turquia enfrentarão mais penalizações por aquilo que o projeto-lei descreve vagamente como ordem pública, segurança nacional e saúde pública.

Tomemos Mukremin, um fenómeno das redes sociais, como exemplo. Há nove meses, esta mulher trans decidiu criar uma representação teatral para anunciar aos seus seguidores que estava grávida. Depois de Mukremin ter partilhado o vídeo final do hospital, onde ela deu à luz um bebé saudável, tanto o testemunho como o hospital foram censurados. O hospital foi fechado pelas autoridades e a conta do TikTok de Mukremin foi bloqueada na Turquia. E a plataforma cumpriu. Os motivos destas ações mantêm-se pouco claros, mas, num país onde até as playlists de Spotify são censuradas ou um videoclip sobre o amor entre dois homens homossexuais causa reações negativas, a decisão de bloquear a conta de Mukremin não é assim tão surpreendente.

Outro exemplo pouco surpreendente de censura é o cumprimento por parte do Facebook de uma decisão governamental de bloquear o acesso à página da agência de notícias pró-curda Mesopotamia sem qualquer explicação. Apesar das tentativas de recuperação, a rede social nunca restabeleceu a página.

Talvez um dos melhores exemplos para ilustrar como as redes sociais estão a cumprir os pedidos estatais para censurar conteúdos na Turquia diga respeito a Sedat Peker, um chefe da máfia, que foi duas vezes considerado culpado por atividade criminosa organizada e que está atualmente procurado pela INTERPOL. Em maio de 2021, Peker começou a partilhar vídeos no YouTube sobre ligações obscuras entre os altos funcionários do partido no poder e a máfia, e a visar alguns dos altos funcionários do governo numa série de revelações. As mais recentes alegações de corrupção de Peker foram partilhadas via Twitter numa série de tuítes, expondo o conselheiro de Erdoğan Serkan Taranoglu, o antigo presidente do Conselho do Mercado de Capitais Ali Fuat Taskesenlioglu, o membro do partido no poder e deputado Zehra Taskensenlioglu e o antigo jornalista independente, mas que, nos últimos anos, mudou de lado e tornou-se um colunista pró-governamental do jornal diário Huriyyet Burak Tasci. Na sequência das revelações, Taranoglu demitiu-se do cargo, tendo também se demitido de presidente-adjunto das administrações locais do AKP e membro do conselho de administração do partido. O Estado foi rápido a responder, bloqueando o acesso às notícias sobre as recentes acusações. O Twitter também bloqueou o acesso a tweets sobre Zehra Taskensenlioglu.

O que se segue?

O projeto-lei da desinformação também chega num momento importante para a Turquia, uma vez que o país se prepara para eleições gerais em em 2023. Numa entrevista à Euronews, Suay Boulougouris, responsável para as equipas europeia e centro-asiática na organização de direitos humanos Article 19, afirmou que a linguagem vaga da lei pode implicar “que literalmente qualquer informação crítica do governo pode ser vista como desinformação. Não vemos isto como uma tentativa genuína de combater a desinformação: na verdade, está a enfrentar qualquer crítica antes das eleições massivamente concorridas em 2023”.

Num outro cenário, os turcos podem ficar sem quaisquer redes sociais antes das eleições. Segundo o defensor da liberdade na Internet e advogado Kerem Altıparmak, as tentativas de alinhar as empresas de meios de comunicação social, e que antes falharam, podem, desta vez, conduzir efetivamente a um bloqueio total de plataformas como o Twitter.

Licença Creative Commons

Este artigo, escrito por Arzu Geybullayeva, foi originalmente publicado no site Global Voices Online e republicado em português de Portugal n’o largo, ao abrigo da licença Creative Commons CC BY 3.0.

Total
0
Partilhas
Artigo anterior

Tash Sultana confirmada no "NOS Alive"

Artigo seguinte

Teatro D. Maria II inicia "Odisseia Nacional" ao longo de 2023

Há muito mais para ler...