“Os sinos da Lapa/ecoam no Paraíso”

“Se a desinformação pode cair no requintado pano da poesia, que dizer nos papéis dos jornais, nas ondas das rádios, nas pantalhas das televisões ou nas nuvens que alimentam o mais volátil ciberespaço?”, considera o jornalista.
“Os sinos da Lapa/ecoam no Paraíso”
Deensel on @Flickr
Este artigo foi publicado há, pelo menos, 3 anos, pelo que o seu conteúdo pode estar desatualizado.

Na casa onde moro na portuense Rua do Bonjardim, vejo a Igreja da Lapa, onde a cidade guarda o coração que D. Pedro IV lhe doou, e ouço os sinos das duas torres dessa igreja, nos sons que atravessam a Rua do Paraíso.

A Rua do Paraíso é a rua que liga o Largo da Lapa à Rua do Bonjardim. Uma rua muito conhecida na cidade do Porto por nela ter funcionado, durante muitos anos, uma esquadra da polícia – a sétima conhecida como a Esquadra do Paraíso, entretanto desactivada.

Com a liberdade que a linguagem poética, como a popular, proporciona, há dias comecei a escrever um poemeto cujos dois primeiros versos são, claramente, típicos de um “fake poem” (poema falso), ou, pelo menos, versos de meia verdade – Os sinos da Lapa / ecoam no Paraíso.

Na verdade, os sinos da portuense Igreja da Lapa ecoam na portuense Rua do Paraíso, a tal que liga o Largo da Lapa à Rua do Bonjardim. Ecoarão ou não no Paraíso, se houver Paraíso, pelo que o poema carece de um terceiro verso – Os sinos da Lapa / ecoam no Paraíso. / Na Rua do Paraíso.

Parece um haiku, uma muito sintética forma poética japonesa também cultivada no Ocidente em versões que optam por tercetos em que o primeiro e o terceiro verso têm cinco sílabas cada e o segundo verso sete. 

Parece um haiku mas não é um haiku. É fácil ver que as sílabas dos dois primeiros versos estão quantitativamente correctas, mas a do terceiro verso não, pois apresenta-se com sete e não com cinco sílabas.

Claro que o conteúdo é, neste exemplo, tanto ou mais importante do que a forma. Por ser importante que o terceiro verso esclareça que o Paraíso não é, na verdade, o Paraíso (lugar que pode até não existir) mas sim a portuense Rua do Paraíso, a rua da velha sétima esquadra. O que obriga a um verso de sete sílabas poéticas.

Se a desinformação pode cair no requintado pano da poesia, que dizer nos papéis dos jornais, nas ondas das rádios, nas pantalhas das televisões ou nas nuvens que alimentam o mais volátil ciberespaço? 

Este texto é publicado n’o largo. no âmbito do projeto “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa“, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa

Total
0
Partilhas
Artigo anterior
Nilüfer Yanya confirmada no Alive’22

Nilüfer Yanya confirmada no Alive'22

Artigo seguinte
Euronews bloqueada na Rússia. Google News também

Euronews bloqueada na Rússia. Google News também

Há muito mais para ler...