O absurdo da guerra, com Goya

A que nos referimos quando pesamos os prós e os contras de uma guerra? Ou melhor: será de facto possível contemporizar com a ideia de adequação da guerra ou de uma em particular?
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A reflexão que agora vos apresento foi arquitectada no dia 23 de Fevereiro, durante a tarde, antes mesmo da Rússia iniciar o ataque à Ucrânia, o que viria a acontecer pelas 6h00 em Moscovo, 3h00 em Lisboa, do dia seguinte: 24 de Fevereiro de 2022 ficará para a História futura como aquele em que se iniciou uma Guerra Mundial. Todavia, na minha visão, a guerra generalizada havia começado no dia 21 deste mês, quando Vladimir Putin reconheceu a independência das regiões de Donetsk e Lugansk. Os antecedentes especulativos sobre este acontecimento trágico, seja para a Ucrânia, seja para a Rússia, ou para a Europa, e para o Mundo, também para a Terra, perdiam-se, na minha perspectiva, nas classes de argumentos que pudessem sustentar uma ofensiva militar: era legítimo, ou não, a Rússia avançar contra a Ucrânia? Não era: não é. Uma guerra é indefensável, sempre: tanto pelo instinto que nos leva a preservar a vida, como porque espiritualmente o humano está designado a transcender, seja perdoando, seja dialogando, seja criando. Claro que não será razoável pensarmos que a arte nos mune, sempre, de boas metáforas visuais para o alcance da paz; não se esqueça que Eugène Delacroix pintou “A Liberdade Guiando o Povo” em 1830, com uma atmosfera de fúria guerreira, e em que a uma ordem – a do Antigo Regime, deveria suceder outra – a da Contemporaneidade; mas também é certo que Francisco de Goya, entre 1810 e 1815, imprimiu gravidade e dor aos seus/nossos “Os Desastres da Guerra”, 82 gravuras impiedosas na denúncia do absurdo disso: da guerra.

Toda a arte, mesmo se etérea, mais conceptual, menos comprometida com o visível a olho nu, é feita num tempo preciso e, por tal, responde sempre, mesmo que ninguém lhe tenha colocado uma pergunta. E se Jean Genet cria que a arte é dedicada aos mortos, o que Pier Paolo Pasolini também secundou; e se Maurice Merleau-Ponty, após Friedrich Nietzsche, claro, reconhecia poder ser consentida ao artista uma irresponsabilidade existencial, digamos assim, que ao filósofo não se perdoaria; também é certo que, na arte, os artistas, ainda que de olhos fechados, sempre os mantiveram abertos, nem que fossem os da pele, avultando neles essa respiração, e transpiração, do Mundo. Ou seja, os artistas têm o corpo na vida e a oficina na arte, uns mais do que outros: mas é desta forma, sim. E quando digo artistas e arte claro que me refiro a todos e a todas que nos querem transmitir uma, e única coisa: a sua verdade. E a verdade é uma constelação de seres humanos, é vibrátil, é aspersora, é nuclear, é racional. A guerra mata a verdade, como tão bem soube Goya ao transmiti-lo na gravura número 79 da série “Os Desastres da Guerra”. Muitos são os outros desastres a que a guerra nos submete ao violentar o humano, ao interromper com violência a frequência da relação entre pessoas, ao castrar correntes benéficas, ao ir directa ao ninho dos corações todos, ao ser irracional.

Vamos certamente assistir, agora, a uma dialéctica informativa intensa sobre a guerra, mas não existem vencedores nem vencidos nesta história: todos e todas perdem, perdemos.

Este texto é publicado n’o largo. no âmbito do projeto “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa“, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa

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